Ministério da Justiça estuda reduzir o imposto do cigarro para conter o contrabando; comunidade médica critica

O Ministério da Justiça (MJ) deve decidir, até o fim de junho, se vai propor a redução de impostos sobre cigarros fabricados no Brasil. Em março, uma portaria assinada pelo ministro Sérgio Moro instituiu um grupo de trabalho para avaliar se mudanças nos impostos ajudarão a "diminuir o consumo de cigarros estrangeiros de baixa qualidade".

A instauração do grupo foi criticada por especialistas em saúde e por entidades do setor, inclusive ligadas ao próprio Ministério da Saúde (veja mais abaixo). Profissionais da área afirmam que a medida não seria suficiente para reprimir o mercado ilícito de cigarros, contribuiria para o aumento do número de fumantes e acarretaria custos.

O que se sabe sobre a iniciativa do MJ:

Ministério informou em nota que estuda "formas de diminuir o consumo de cigarros contrabandeados, sem aumentar o consumo no Brasil".
Governo afirma que os ministérios da Economia e da Saúde foram chamados a participar das discussões.
Pasta cita como uma das bases da discussão no Grupo de Trabalho um estudo de economistas que questiona a "eficiência da estratégia de aumentar tributo" na redução do tabagismo.
Oficializado em 23 de março, grupo tem 90 dias para a concluir os trabalhos.
Em abril, o Conselho Nacional de Saúde (CNS), ligado ao Ministério da Saúde, recomendou o fim do grupo de trabalho.
As conquistas do combate ao tabaco:

A queda no tabagismo no Brasil é expressiva: o país já bateu a meta global, que é reduzir o percentual de fumantes na população para 15%.
Em 2017, o total de fumantes na população brasileira era de 10,1% (2017), segundo o Ministério da Saúde. Em 1989, 34,8% da população brasileira fumava, segundo a OMS.
Uma estimativa publicada em estudo na revista "PLOS Medicine", em 2012, aponta que cerca de 420 mil mortes foram evitadas no Brasil por políticas públicas implementadas entre 1989 e 2010.
OMS estima que um em cada 10 cigarros consumidos globalmente sejam comprados no comércio ilegal.
O Instituto Nacional do Câncer (INCA) diz que aumento de preços na ordem 10% seria capaz de reduzir o consumo em cerca de 8% em países como o Brasil.
Base para o Grupo de Trabalho
Após mais de um mês de sua oficialização, o Grupo de Trabalho realizou uma "reunião preliminar", conforme informado ao G1 pelo ministério. A pasta não informou a lista dos participantes, mas disse que representantes dos ministérios da Saúde e da Economia foram convidados.

Questionado pelo G1 sobre se existiam estudos que serviram como base para o debate sobre a redução de impostos, o Ministério da Justiça citou um estudo de três economistas apresentado em 2017. No texto “Uma alternativa de combate ao contrabando de cigarro a partir da estimativa da Curva de Laffer e da discussão sobre a política de preço mínimo”, os economistas Mario Antonio Margarido, Matheus Lazzari Nicola e Pery Francisco Assis Shikida concluem que a "eliminação da estratégia de preços mínimos (...) afetaria drasticamente a rentabilidade da indústria ilegal de cigarros".

O estudo avalia que, em um dos cenários de mudança de política de preços por eles simulada, o aumento do faturamento da indústria nacional seria de R$ 7,526 bilhões e de R$ 2,547 bilhões na arrecadação por meio do IPI.

Os pesquisadores acreditam que a mudança na política de preços levaria "fumantes de cigarros ilegais para o consumo dos cigarros legais." Além disso, os economistas citam que os recursos arrecadados poderiam ser usados em campanhas educativas e que a medida "reduziria gastos em saúde", já que os cigarros ilegais apresentam "baixa qualidade".

Posicionamento do ministro
Em nota enviada para a Globo News, o ministro Sergio Moro ressaltou que a redução é uma possibilidade e que nada está definido. Segundo Moro, não é uma afirmação verdadeira dizer que o Ministério da Justiça quer reduzir imposto de cigarro.

Moro ressaltou que a portaria deixa claro que é preciso avaliar a redução de impostos aumentaria o consumo global. Ainda de acordo com o ministro, a estimativa é de que mais de 40% do mercado seja dominado por cigarros paraguaios, que são ainda piores à saúde do que os brasileiros.

Ainda segundo o ministro, o cigarro paraguaio é um problema de saúde pública grave, consumido pela população mais pobre e que não é fácil coibir o contrabando por meio repressão policial.

Possibilidade criticada
“Não faz sentido (diminuir os impostos”, alerta Ciro Kirchenchtejn, membro da Comissão Científica de Tabagismo da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT). “Tem de educar a população, promover medidas de prevenção ao crime, combater e prender essas pessoas.”

Para ele, uma das medidas mais efetivas para reduzir o consumo do cigarro está justamente na taxação do produto -- com o tabaco mais caro, o acesso a ele fica mais restrito. Uma pesquisa de 2017 apontou que os fumantes são 20% mais propensos a parar de fumar se o preço do produto aumentar US$ 1. O estudo foi publicado no periódico científico 'Epidemiology'.

“Se o cigarro custa R$ 10 e o de contrabando custa R$ 3, o fumante não vai deixar de comprar o ilegal se o preço cair um ou dois reais”, pondera Kirchenchtejn. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que um em cada dez cigarros (25%) consumidos globalmente são comprados no comércio ilegal.

Segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca), um aumento de preços na ordem 10% seria capaz de reduzir o consumo de produtos derivados do tabaco em cerca de 8% em países como o Brasil.

Em abril, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) se posicionou contra a possível iniciativa de reduzir os impostos do cigarro. O órgão publicou uma recomendação ao Ministério da Justiça e Segurança Pública para extinguir o grupo de estudo.

"É uma decisão temerária e extremamente problemática para a saúde pública, visto que aumenta o consumo de cigarros (...) e impacta direto no SUS, demonstrando-se ser uma alternativa controvertida, desnecessária e polêmica que atende única e exclusivamente os interesses do lobby da indústria do tabaco", diz o texto do CNS.

Taxação atual do cigarro
No Brasil, a taxação do produto vem crescendo e, atualmente, é de cerca de 80% do preço final - índice semelhante ao de outros países, segundo Kirchenchtejn. Em uma análise da OMS com dados de 2017, a OMS elaborou um comparativo entre os impostos cobrados pelos países.

Em 2011, o Brasil reajustou o IPI sobre cigarros e criou uma política de preços mínimos para o produto. Segundo o Inca, a medida contribuiu para diminuir o número de fumantes entre jovens de menor renda e escolaridade. A arrecadação desses tributos, de acordo com a Secretaria da Receita Federal, passou de pouco mais de R$ 4,4 bilhões, em 2008, para quase R$ 8 bilhões em 2013.

Kirchenchtejn sugere que a tributação seja elevada para que o governo reinvista em tratamentos de saúde para tabagistas e pague aposentadorias precoces causadas por doenças relacionadas ao fumo.

Um estudo do Inca mostra que o tabagismo custa para o Brasil quase R$ 57 bilhões por ano. Desse total, R$ 39,4 bilhões são gastos com despesas médicas, e R$ 17,5 bilhões com custos indiretos ligados à perda de produtividade, por causa da incapacitação de trabalhadores ou da morte prematura deles.

A médica Tânia Cavalcante, do Inca, afirma que a iniciativa de diminuir impostos sobre tabaco para reduzir o mercado ilegal não deu certo em países como Canadá e Suécia, nos anos 1990. "Eles experimentaram redução da arrecadação de tributos, crescimento do tabagismo, especialmente entre jovens, e nenhum efeito sobre o contrabando", diz a especialista.

Autor do estudo defende foco tributário
De acordo com Pery Francisco Assis Shikida, professor de economia da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste) e membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), seu estudo é mais motivado por um olhar sobre a “economia do crime” do que a intenção de obter estímulos à indústria de cigarros. Segundo ele, a lucratividade do contrabando de cigarros ao Brasil está acima de 200% e os danos do cigarro ilegal para a saúde humana são ainda mais altos do que os causados pelo cigarro regulamentado.

“Diante disso, analisamos a política de combate ao cigarro do ponto de vista da política tributária”, explica. O estudo conclui que o cigarro é um produto bastante “inelástico”, isto é, cuja demanda varia pouco mesmo quando há o aumento ou queda de preços.

Além do combate ao contrabando nas fronteiras, ele defende que a queda do preço praticado no Brasil permitirá que o consumidor compre da indústria de cigarro nacional e, consequentemente, aumente a arrecadação pública. “Se o preço do cigarro comercializado aumentar 10%, o consumo vai diminuir 2,5%, e não necessariamente vai diminuir o número de consumidores.”

Segundo o economista, o objetivo do estudo é combater o contrabando. “A gente não está pedindo para reduzir impostos, mas repensar a política do preço mínimo.” Uma parte da arrecadação das vendas do cigarro nacional, diz, pode ser destinada a gastos com saúde pública.

Menos fumantes no Brasil
Nas últimas décadas, o país vem colhendo os resultados de políticas de combate ao tabagismo. Segundo levantamento publicado pela OMS, o número de brasileiros fumantes caiu de 34,8%, em 1989, para 22,4%, em 2003. A diminuição mais acentuada ocorreu na faixa etária de 25 a 34 anos: nesse mesmo período, foi de 40,6% para 23,6%. De acordo com o estudo, os dados “justificam os esforços empreendidos pelo Brasil nos programas de controle de tabaco”.

Outra pesquisa, do Ministério da Saúde, também aponta para uma redução no número de fumantes. Analisando dados mais recentes das capitais brasileiras, houve uma queda de 36% entre 2006 e 2017 – a prevalência de usuários de cigarro caiu de 15,7% para 10,1%.

Apesar disso, ainda há desafios. Um levantamento do IBGE, de 2015, mostra que 18,4% dos alunos do 9º ano do ensino fundamental já experimentaram cigarro pelo menos uma vez. A maior parte dos adolescentes conseguiu comprá-lo em loja ou botequim (26,5%). Ou seja: houve uma falha na fiscalização que deveria proibir a venda para menores de 18 anos.


Metas mundiais
Em 2005, um tratado internacional de combate ao fumo (“World Health Organization Framework Convention on Tobacco Control”) estabeleceu planos de ação para diminuir em 30% o número de tabagistas, até 2025. Ou seja: o objetivo é que o índice mundial caia para 15% nesse prazo.

Uma das estratégias recomendadas é tornar os cigarros quatro vezes mais caros. Segundo o tratado, para que isso seja viável, os países precisariam multiplicar por sete os impostos que incidem sobre o produto.

Uma estimativa do estudo Brazil SimSmoke, de 2012, publicado na revista científica PLOS Medicine, mostra que cerca de 420 mil mortes foram evitadas no Brasil por políticas públicas implementadas de 1989 a 2010. O mesmo estudo prevê que, se mantidas essas políticas, até 2050 serão evitadas 7 milhões de mortes relacionadas ao fumo.

Iniciativas no Brasil
O Brasil apresenta uma série de iniciativas que colaboraram para a redução acentuada do número de fumantes. Uma das mais conhecidas é Lei Antifumo, aprovada em 2011 e regulamentada em 2014. O texto trouxe algumas medidas, como:

proibição do fumo em locais coletivos fechados, como repartições públicas, hospitais, postos de saúde, salas de aula, teatro e cinema;
proibição da propaganda comercial de cigarro;
instituição de imagens com advertência sobre os riscos do cigarro na parte de trás das embalagens dos produtos. Em 2016, os pacotes de cigarro passaram a ter também uma advertência adicional na frente da embalagem, ocupando 30% dela.
De acordo com o IBGE, em 2008, 65% dos fumantes com mais de 15 anos pensaram em parar de fumar por causa desses alertas nas embalagens.

Antes da Lei Antifumo, já havia ações para combater o tabagismo no país. No final da década de 1980, o Inca passou a ser responsável por implementar e coordenar as ações de controle do fumo, por meio do Programa Nacional de Controle do Tabagismo (PCNT).

Desde então, junto com o Ministério da Saúde, o Inca promove ações educativas contínuas, para informar a população sobre os danos do cigarro.

O controle do tabagismo faz parte também do Plano de Ações Estratégicas do Ministério da Saúde do Brasil para o Enfrentamento das Doenças Crônicas Não-Transmissíveis -- a meta é reduzir as mortes prematuras causadas por enfermidades associadas ao cigarro.

Para Ercy Mara Cipulo Ramos, professora de fisioterapia respiratória na Unesp, o foco deveria ser prosseguir com as ações de combate ao fumo.

Danos do cigarro à saúde
A OMS estima que ocorram 7 milhões de mortes anuais por causa do cigarro (6 milhões por tabagismo ativo e 890.000 por tabagismo passivo). Segundo o órgão, 12% de todas as mortes de pessoas com mais de 30 anos são atribuídas ao fumo.

Por que isso ocorre? A hemoglobina, presente no sangue, serve para captar e transportar oxigênio para os órgãos e tecidos do corpo humano. "Ela tem 250 vezes mais afinidade com o monóxido de carbono, do cigarro, do que com o oxigênio. Ou seja, se a pessoa inalar a fumaça, o monóxido de carbono concorre de forma desleal com o oxigênio -- e passa a ser transportado no sangue", explica Ercy Ramos.

De acordo com o OMS, 71% das mortes por câncer de pulmão são atribuídas ao tabagismo. Mas os danos vão além desse órgão.

"Todo mundo relaciona cigarro ao câncer de pulmão, mas afeta também o sangue (infarto, AVC, aneurisma). Não adianta o tabagista fazer só um exame pulmonar e achar que está saudável. Uma endoscopia pode identificar outras doenças causadas pelo cigarro", afirma Ercy.

A ciência já elencou mais de 50 enfermidades trazidas pelo tabagismo. Abaixo, veja alguns exemplos:

doenças cardiovasculares e vasculares cerebrais;
doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC);
cânceres de esôfago, orofaringe, laringe, estômago, fígado, pâncreas, rim e ureter, colo do útero, bexiga, cólon e reto, assim como leucemia mieloide aguda;
inflamação e alteração do funcionamento do sistema imune;
risco de morte por tuberculose;
artrite reumatoide;
problemas na gestação (gravidez tubária, fenda facial);
evidências de maior desenvolvimento de diabetes tipo 2.
A especialista desfaz um mito: não tragar a fumaça não livra o fumante dos riscos à saúde. "As células da saliva captam as substâncias do cigarro", diz.

Cavalcante, do Inca, menciona que a taxa de mortalidade por doenças crônicas, na população de 30 a 69 anos, caiu entre 2000 e 2016. Segundo dados do Ministério da Saúde, óbitos por causa de AVC, por exemplo, diminuíram 42% nesse intervalo. De doenças do coração, como infarto, 29,9%.

"Vários estudos elaborados a partir desses dados apontam o efeito da redução do tabagismo no Brasil como o principal responsável pela redução na mortalidade por essas doenças", afirma.

G1

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